Monday, February 19, 2007

VIDAS PARALELAS

Das muitas veredas que percorremos, em quase todas ficaram as nossas marcas indeléveis. Sinais, cifras e traços, às vezes invisíveis aos olhos dos transeuntes desavisados, mas perceptíveis aos caminhantes que como nós portadores de sonhos e com espírito apaixonado.
Foram, também, nas mesmas veredas que nos perdemos e nos achamos e nas quebradas das ruas desertas permanecem os vestígios dos nossos beijos furtivos, a gostosura dos nossos amassos e nossa imensa fome de amor, permanentemente insaciável. Tudo muito rápido, às escuras, com medo do flagra. E, nesse vai e vem experimentamos os riscos das noites breves, mas intensas em que tínhamos como fiel companheiro: o perigo. Viver sempre é perigoso. Nossas roupas coloridas brilhavam a luz da lua e os nossos corpos desfrutavam o sabor da aragem que refrigera as almas e que funcionava como antídoto
Quando o dia raiava éramos essencialmente normais, normalíssimos, tão certinhos e marcadamente monótonos. Desempenhávamos com eficiência a nossa rotina a luz do sol, os passos certos, os sentimentos contidos. Parecíamos seres andróginos, assexuados, desprovidos de alma e sem imaginação. Discretíssimos como convinha aos prudentes papéis que nos destinaram. Era assim que sobrevivíamos para enfrentar o tempo através das nossas camuflagens. Ninguém nos reconhecia atrás daquelas vestes em preto e branco, do terno, da gravata e da comportada saia midi ou do terninho de executiva.
Na noite, éramos poetas, compúnhamos versos, e como tais conseguíamos captar as mensagens dos tempos e nos arvoramos profetas e menestréis para anunciar o mundo novo. Mas, como o mundo colorido estava ainda distante, nos restava semear na escuridão. E na escuridão semeamos, capinávamos os cardos, os espinhos que espetavam nossas mãos românticas. Sempre, sempre assim, até o próximo amanhecer.
E, assim vivemos noites e noites, dias e dias, crepúsculos e auroras. Amassávamos de noite e nos alisávamos de dia.
Escrevi para lembrar dos nossos sonhos sonhados e vividos.