Friday, September 21, 2007

SOBRE LIVROS E CORRENTES

UM TEMPO PARA NÃO ESQUECER

Ivone Bengochea
[1]
Se há tempo para tudo debaixo do sol, como apregoa o texto bíblico, deve haver um tempo para não esquecer que a terra gira em torno do sol. Muitos ainda pensam que a terra é centro do mundo, não obstante a chuva de informações a respeito e o martírio de Giordano Bruno. Pior, muitos acham que o mundo gira em direção aos seus umbigos e, consequentemente eles são o umbigo do mundo.
Não somente os poderosos pensam assim. Aliás, os poderosos do mundo podem pensar assim. Eles são poderosos e ponto final, pelo menos até o próximo parágrafo. O problema são os que se pensam poderosos com seus discursinhos decorados e acorrentados pelas suas pretensas e difusas ideologias. Ideologias que não passam pelo crivo de uma sentença indignada do velho Marx. Qual ideologia meu bem? Aquela que eu preciso para viver? Ou por aquela que eles professam e não sabem a razão? Uma oficina sobre a Grécia Antiga é um perigo, os gregos são perigosos e não se coadunam ideologicamente com os contemporâneos líderes dos professores..
Alguém disse que “a glória não paga nada e extingue-se.” Certamente os antigos sabiam disso, os contemporâneos são pagos e exaltam-se, mesmo que sejam extintos. Como extinguiram a biblioteca da nossa entidade de classe e a trocaram por uma tímida sala de leitura, sob alegação de estorvo no espaço físico, e a pouca procura. Os livros, especialmente para a maior entidade da América Latina que congrega professores e funcionários de escola, – ou o politicamente correto trabalhadores em educação –, não deveriam nunca estorvar os dirigentes sindicais e seus associados.
No barraco da associação dos garis, em São Paulo, os livros não são estorvos, são bem-vindos, são lidos. No CIP Carlos Santos, em Porto Alegre, onde estão os meninos encarcerados, cumprindo medidas sócio-educativas, existe uma biblioteca e os meninos, mesmo encarcerados lêem e são incentivados a ler. No bairro operário das Rocas, em Natal, há um humilde pescador que coleciona livros, empresta para os vizinhos e doa para as crianças que o procuram. Nos pobres barracos e no bairro humilde potiguar os livros não incomodam.
No sexagenário e combativo CPERS-Sindicato os livros estorvam, incomodam e precisam ceder os espaços e salas para as múltiplas correntes ideológicas que permeiam os nossos lideres. Nossa entidade está acorrentada sim e as correntes aprisionam. Uma prova do aprisionamento nos elos do dogmatismo é o silêncio sobre o julgamento do presidente do Senado Federal ou sobre a não inclusão da Filosofia e da Sociologia nos currículos das escolas estaduais, apesar de aprovada pelo Conselho Federal de Educação no ano passado. Aulinhas de Filosofia e Sociologia são complementos já disse uma proeminente líder classista, na última greve. Provavelmente a história não a absolverá, as lideranças passam, a história continua com a ética ainda precisando sair das retóricas discursivas.
[1] Professora de Filosofia no ensino médio e universitário, coordenadora do PENSARE

BIBLIOTECA DO FORUM MUNDIAL


BRUNO E IVONE NO CENTRO ERICO VERÍSSIMO


Thursday, September 20, 2007

AS PALAVRAS

AS PALAVRAS SE DISTENDEM/ ESTALAM E MUITAS

VEZES SE QUEBRAM.


T. S. Eliot ( 1888-1965), poeta norte-americano, naturalizado inglês.

Sunday, September 09, 2007

AMOR EM TEMPOS CÓSMICOS


Se foi o cumprimento de uma antiga profecia, ou estava escrito nos desígnios das estrelas, não importa – os mistérios nunca serão desvendados – sob o risco de não serem mais mistérios. Nem nós queremos! O certo é que, naquele dia, embebidos pela imprevisibilidade dos tempos, estávamos separados e em pontos opostos no planeta, entrecruzados por meridianos e paralelos, linhas, retas, graus e complicadas escalas geométricas.
Olhávamos embevecidos, sem saber da existência um do outro, o movimento de rotação da terra, até ficarmos bastante tontos e sonolentos devido ao balanço cósmico. Tal como Pascal, em outros séculos, percebemos que os espaços infinitos são apavorantes e por isso nos sentíamos irremediavelmente sós, entediados, aborrecidos e desencantados, com nossas sinucas existenciais diante da realidade barulhenta que nos circundava. O que nos restou fazer, quem sabe como única alternativa, foi deixar nossos corpos e nossos sentimentos viajarem ao sabor dos ritmos celestes. E assim o fizemos intuitivamente.
Num impulso, jogamos nossas redes no universo, navegamos a favor das aragens, enfrentamos tormentas, tempestades, ciclones, maremotos, tufões, terremotos e calmarias. Ignoramos, propositadamente, os sinais confusos dos aparelhos náuticos que estavam ao nosso alcance com suas formas indecifráveis e, como náufragos sem bússola, nos cruzamos enredados em teias indescritíveis – atraídos, certamente, por uma inexplicável química mágica. Quando sentimos os primeiros sinais de bonança e o vento ficou mais ameno, nos permitimos um espaço de pausa na jornada.
Foi assim que nos vimos pela primeira vez, ou provavelmente nos reencontramos. Não sei se éramos dois estranhos ou velhos conhecidos, a segunda hipótese é a mais provável porque permanecíamos horas e horas do relógio cósmico a contar e recontar histórias e trajetos vividos, curando nossas feridas, despidos de vaidades, das culpas seculares e sem saudades do perdido paraíso terrestre.
Vivenciamos momentos mágicos de intensa ternura, grudados um no outro, com beijos insondáveis e carências milenares. Tentávamos, assim, avidamente, preencher com amor infinito, as lacunas deixadas pelos desamores doloridos que carregávamos como bagagem insuportável, desde que empreendemos a nossa inusitada viagem cósmica. Assim, rejuvenescemos a olhos vistos, os incômodos sinais do tempo se atenuaram e, como éramos atemporais, sabíamos que no tempo cósmico nunca se envelhece.
Se estávamos numa ilha paradisíaca, ou em qualquer outro acidente geográfico convencional, constituia-se numa questão nada importante para nós. Fascinados um pelo outro, dispensamos a razão instrumental, os blocos de anotações, os computadores e nos guiamos por outros paradigmas intuitivos, sentimentais, amorosos que até então ignorávamos e relutávamos em nos permitir.
Passeávamos de mãos dadas, colhíamos as raízes e nos alimentávamos da luminosidade solar e da energia do universo. Os teimosos raiozinhos de sol nos abençoavam e, em cada grão de areia que pisávamos, estava ali presente a sabedoria de milênios. Aprendemos a ler nas estrelas, no movimento dos astros, nas pegadas da praia, no colorido das plantas e nos desenhos dos penhascos. Morríamos de rir, quando víamos que muitos penhascos tinham a nossa imagem, talvez como marcas registradas dos nossos tropeços terrenos.
Assim, experimentamos e nos apropriamos do melhor dos tempos à disposição dos humanos: o tempo da delicadeza. Um tempo para o qual é preciso optar pelo mundo dos sonhos, experimentar a felicidade como uma idéia nova e fugir das sombras do medo.

Friday, June 29, 2007

OS OLHOS DO OFTALMO

OS OLHOS DO OFTALMO

Nas lentes poderosas em poder do Oftalmo não há mistério que resista, todos são inevitavelmente devassados.

Afinal, o que se busca num consultório médico, a não ser que devassem os nossos males em todos os graus?
Mas, como sempre há um ser humano por detrás dos óculos, inevitavelmente, há um homem oculto examinando os nossos olhos.

Esse homem é o Oftalmo especial para quem dedico uma homenagem especial em nome dos tempos em que não usávamos lentes e nos olhávamos olhos nos olhos. Tão próximos que nos confundíamos e devassávamos a cor das nossas íris.
Mas, hoje, tão longe precisamos de lentes poderosas para permutar nossas mensagens eletrônicas.
Dedico para quem me ensinou ler Paulo Freire, ainda em espanhol e sem lentes de grau.

Wednesday, April 25, 2007

MISTÉRIO

Affonso Romano de Sant'Anna

Mistério

O mistério começa do joelho para cima.
O mistério começa do umbigo para baixo
e nunca termina.




* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no CD "Affonso Romano de Sant'Anna por Tônia Carrero" da Coleção "Poesia Falada".

Saturday, March 03, 2007

AS PALAVRAS EM BUSCA DE RESPOSTAS

O que será que acontece com as palavras quando elas desaparecem?

Ou será que brincam de esconde-esconde e temos buscá-las nos esconderijos dos tempos. Para onde vão as juras de amor eterno ou as terríveis sentenças de amores findos.
“Tantas palavras que eu conhecia, saíram de cartaz”. Seria muita ousadia questionar o Chico Buarque. Não me animo. Sou uma tiete inveterada e ficaria muda na sua presença. O Chico alimenta eternamente o imaginário da minha geração, dá alento aos devaneios existenciais transcende o tempo vivo. Ele fala, eu calo. Na sua presença eu fico a contemplar seus olhos multicoloridos. Bem que gostaria, é claro. Sonhar viajando nas canções ainda é permitido.

O que acontece quando as imagens valem mais que mil palavras?

Ai teria que buscar as chaves guardadas pelo Almodóvar. Meu Deus! É paranóia, megalomania? Não sei, ou não quero admitir. As mulheres do cineasta são reais, mesmo na pele de seus personagens. São engraçadas, riem e choram com elegância, só Almodóvar é capaz de dosar elegância nas horas trágicas. É elegante também na denúncia que permeia o mundo feminino. É permitido enlouquecer com ele, cantar, dançar e volver às origens.
Dedico a todos os homens solidários mesmo que não sejam poetas nem cineastas

Monday, February 19, 2007

VIDAS PARALELAS

Das muitas veredas que percorremos, em quase todas ficaram as nossas marcas indeléveis. Sinais, cifras e traços, às vezes invisíveis aos olhos dos transeuntes desavisados, mas perceptíveis aos caminhantes que como nós portadores de sonhos e com espírito apaixonado.
Foram, também, nas mesmas veredas que nos perdemos e nos achamos e nas quebradas das ruas desertas permanecem os vestígios dos nossos beijos furtivos, a gostosura dos nossos amassos e nossa imensa fome de amor, permanentemente insaciável. Tudo muito rápido, às escuras, com medo do flagra. E, nesse vai e vem experimentamos os riscos das noites breves, mas intensas em que tínhamos como fiel companheiro: o perigo. Viver sempre é perigoso. Nossas roupas coloridas brilhavam a luz da lua e os nossos corpos desfrutavam o sabor da aragem que refrigera as almas e que funcionava como antídoto
Quando o dia raiava éramos essencialmente normais, normalíssimos, tão certinhos e marcadamente monótonos. Desempenhávamos com eficiência a nossa rotina a luz do sol, os passos certos, os sentimentos contidos. Parecíamos seres andróginos, assexuados, desprovidos de alma e sem imaginação. Discretíssimos como convinha aos prudentes papéis que nos destinaram. Era assim que sobrevivíamos para enfrentar o tempo através das nossas camuflagens. Ninguém nos reconhecia atrás daquelas vestes em preto e branco, do terno, da gravata e da comportada saia midi ou do terninho de executiva.
Na noite, éramos poetas, compúnhamos versos, e como tais conseguíamos captar as mensagens dos tempos e nos arvoramos profetas e menestréis para anunciar o mundo novo. Mas, como o mundo colorido estava ainda distante, nos restava semear na escuridão. E na escuridão semeamos, capinávamos os cardos, os espinhos que espetavam nossas mãos românticas. Sempre, sempre assim, até o próximo amanhecer.
E, assim vivemos noites e noites, dias e dias, crepúsculos e auroras. Amassávamos de noite e nos alisávamos de dia.
Escrevi para lembrar dos nossos sonhos sonhados e vividos.

Saturday, January 27, 2007

A PAZ É UMA POMBA BRANCA

É PRECISO LER OS QUE OS OUTROS ESCREVEM...
A paz é uma pomba branca

As respostas que tenho, e que a maioria tem geralmente são ilusões
Mas vou tentar falar de paz, periferia e guerra.
A paz é uma pomba branca.
Se uma criança pobre soprar, suas asas não se mexem.
Se um detento a segurar, sentirá seu peso como se fosse chumbo.
Se uma senhora aposentada a acolher em seus braços não sentirá o calor.
Se um desempregado olhar bem em seus olhos nela não verá alegria.
Se um professor a estudar, aos seus alunos não poderá ensinar.
Se um menino ou menina desse grande Brasil periferia a olhar voando, não saberá o que ela significa.
A paz é uma pomba branca.
Que apesar de tudo ainda continua voando.
E todos a vêem,
Mas só quem merece realmente a conhece.
Paz só a quem merece.
E aos que não, Guerra.

Ferréz – texto feito para o disco Direto do Campo de Exterm


Sunday, January 07, 2007

O TEMPO DOS NOSSOS SONHOS

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O presente é sempre presente, materializa-se com um acordo tácito que fizemos para desafiar o tempo aparente. No passado estão os sonhos vividos e sonhados, incrivelmente os sonhos pertencem ao tempo aparente, mesmo que parcialmente vividos. No futuro está a incerteza do que poderá vir-a-ser, também aparente. A idéia de futuro é uma abstração angustiante, talvez mais angustiante que o passado, nele os sonhos pairam no limbo, entre o bem o mal não vivido.
Vivemos entre o passado e o futuro, como diz Hannah Arend. Para ela, o passado representou vivências como um quadro de Picasso, muitas Guernicas, muitos holocaustos, com pesadelos eivados de crueldade no universo totalitário. Mas Arend viveu no presente o tórrido amor clandestino, contraditoriamente com o filósofo do desvelo e do vir-a-ser. Uma mulher filósofa e um homem filósofo oculta a paixão latente. Heiddeger era famoso, inteligente, feio, poderoso, bem casado com outra. Arend era bonita, inteligente, libertária, sem marido. Mulher sem marido está à procura de amante casado. Mesmo para as mulheres libertárias, justifica-se que alguns homens estejam no mando e que necessitem ocultar o amor. Os homens públicos são socialmente venerados, são sérios, sisudos detrás dos óculos. As mulheres públicas, se forem bonitas bem pior, são as desfrutáveis como “laranja de amostra” mesmo que filósofas, mesmo que libertárias.
Arend e Heiddegger deixaram escritos para a posteridade que dormem nas prateleiras da academia bem como as suas explicações sobre o mundo, sobre a vida, sobre o passado e o futuro. Muitas explicações sobre o pensamento e reflexão sobre a realidade vivida. Pouca gente se interessa pelo seu romance. O tempo passou. Será que o tempo passa?
Outro compatriota de Arend e Heiddegger declarou que é preciso deixar o tempo entrar. Walter Benjamim sentiu o peso dos anos sangrentos do nazismo, pagou caro pela coerência, por sua ideologia e, por sua opção amorosa. Amou às claras e não suportou o alvissareiro progresso presente, deixou escrito em vermelho as terríveis sensações do quadro Angelos Novos de Klee. Não viveu de futuro, nem do passado, deixou o tempo entrar no presente e afirmou que:
“O tédio é um tecido cinzento e quente, forrado por dentro com seda das cores mais variadas e brilhantes. Nele nos enrolamos quando sonhamos.”
Esse é para todas as mulheres que lutam para sair da sombra e buscam o seu lugar ao sol.

Wednesday, January 03, 2007

O MUNDO EM PEDACINHOS

O mundo é um caquinho de vidro, diz o poeta. Caco é um pedaço partido de alguma coisa que já foi inteira, pode ser uma taça de cristal, um vaso antigo, ou vidraça alheia, ou metaforicamente as vidraças da nossa alma. Juntar os cacos dificilmente nos dará a possibilidade de recompor o todo em sua perfeição original. Mas, como todos os seres são formados de pequenas partículas asseverou o velho Demócrito de Abdera, como desprezar as partes ínfimas? Os cientistas nunca contestaram Demócrito, apesar dos séculos.
Nós, contemporâneos, como somos muito sabidos temos dificuldade de ver o todo como algo indivisível, indispensável. Para que olhar o todo se a parte nos basta. Chamamos pomposamente de meio ambiente e confundimos ambiente com parte da natureza, excluímos o humano porque os humanos arvoram-se, pretensamente, donos da natureza e ela está sob o nosso controle. Ou será que há muito tempo perdemos o controle de nós mesmos? Ou, ainda, fazemos vistas grossas para quem nos controla?
Vemos o mundo fragmentado na telinha da televisão ou do computador e, arrogantemente, enchemos o peito e alardeamos a nossa visão de mundo. Que mundo? O mundo que é vermelho na China? É sangrento nas ruas? Ou o mundinho virtual que a mídia graúda nos presenteou.
O mundo mudou dos gregos aos nossos dias. Mas, permaneceu desigual em alguns aspectos.

Tuesday, January 02, 2007

PAPAREIA SOMOS NÓS

RIO GRANDE, minha cidade, muita água, muito mar, tanto mar, a lagoa encontra-se com o mar. Muita areia, nos apelidaram de papareia.

NO CALOR DAS IDÉIAS 2

NO CALOR DAS IDÉIAS
DEZEMBRO/2003