UM TEMPO PARA NÃO ESQUECER
Ivone Bengochea[1]
Se há tempo para tudo debaixo do sol, como apregoa o texto bíblico, deve haver um tempo para não esquecer que a terra gira em torno do sol. Muitos ainda pensam que a terra é centro do mundo, não obstante a chuva de informações a respeito e o martírio de Giordano Bruno. Pior, muitos acham que o mundo gira em direção aos seus umbigos e, consequentemente eles são o umbigo do mundo.
Não somente os poderosos pensam assim. Aliás, os poderosos do mundo podem pensar assim. Eles são poderosos e ponto final, pelo menos até o próximo parágrafo. O problema são os que se pensam poderosos com seus discursinhos decorados e acorrentados pelas suas pretensas e difusas ideologias. Ideologias que não passam pelo crivo de uma sentença indignada do velho Marx. Qual ideologia meu bem? Aquela que eu preciso para viver? Ou por aquela que eles professam e não sabem a razão? Uma oficina sobre a Grécia Antiga é um perigo, os gregos são perigosos e não se coadunam ideologicamente com os contemporâneos líderes dos professores..
Alguém disse que “a glória não paga nada e extingue-se.” Certamente os antigos sabiam disso, os contemporâneos são pagos e exaltam-se, mesmo que sejam extintos. Como extinguiram a biblioteca da nossa entidade de classe e a trocaram por uma tímida sala de leitura, sob alegação de estorvo no espaço físico, e a pouca procura. Os livros, especialmente para a maior entidade da América Latina que congrega professores e funcionários de escola, – ou o politicamente correto trabalhadores em educação –, não deveriam nunca estorvar os dirigentes sindicais e seus associados.
No barraco da associação dos garis, em São Paulo, os livros não são estorvos, são bem-vindos, são lidos. No CIP Carlos Santos, em Porto Alegre, onde estão os meninos encarcerados, cumprindo medidas sócio-educativas, existe uma biblioteca e os meninos, mesmo encarcerados lêem e são incentivados a ler. No bairro operário das Rocas, em Natal, há um humilde pescador que coleciona livros, empresta para os vizinhos e doa para as crianças que o procuram. Nos pobres barracos e no bairro humilde potiguar os livros não incomodam.
No sexagenário e combativo CPERS-Sindicato os livros estorvam, incomodam e precisam ceder os espaços e salas para as múltiplas correntes ideológicas que permeiam os nossos lideres. Nossa entidade está acorrentada sim e as correntes aprisionam. Uma prova do aprisionamento nos elos do dogmatismo é o silêncio sobre o julgamento do presidente do Senado Federal ou sobre a não inclusão da Filosofia e da Sociologia nos currículos das escolas estaduais, apesar de aprovada pelo Conselho Federal de Educação no ano passado. Aulinhas de Filosofia e Sociologia são complementos já disse uma proeminente líder classista, na última greve. Provavelmente a história não a absolverá, as lideranças passam, a história continua com a ética ainda precisando sair das retóricas discursivas.
[1] Professora de Filosofia no ensino médio e universitário, coordenadora do PENSARE
Friday, September 21, 2007
Thursday, September 20, 2007
AS PALAVRAS
AS PALAVRAS SE DISTENDEM/ ESTALAM E MUITAS
VEZES SE QUEBRAM.
T. S. Eliot ( 1888-1965), poeta norte-americano, naturalizado inglês.
VEZES SE QUEBRAM.
T. S. Eliot ( 1888-1965), poeta norte-americano, naturalizado inglês.
Sunday, September 09, 2007
AMOR EM TEMPOS CÓSMICOS
Se foi o cumprimento de uma antiga profecia, ou estava escrito nos desígnios das estrelas, não importa – os mistérios nunca serão desvendados – sob o risco de não serem mais mistérios. Nem nós queremos! O certo é que, naquele dia, embebidos pela imprevisibilidade dos tempos, estávamos separados e em pontos opostos no planeta, entrecruzados por meridianos e paralelos, linhas, retas, graus e complicadas escalas geométricas.
Olhávamos embevecidos, sem saber da existência um do outro, o movimento de rotação da terra, até ficarmos bastante tontos e sonolentos devido ao balanço cósmico. Tal como Pascal, em outros séculos, percebemos que os espaços infinitos são apavorantes e por isso nos sentíamos irremediavelmente sós, entediados, aborrecidos e desencantados, com nossas sinucas existenciais diante da realidade barulhenta que nos circundava. O que nos restou fazer, quem sabe como única alternativa, foi deixar nossos corpos e nossos sentimentos viajarem ao sabor dos ritmos celestes. E assim o fizemos intuitivamente.
Num impulso, jogamos nossas redes no universo, navegamos a favor das aragens, enfrentamos tormentas, tempestades, ciclones, maremotos, tufões, terremotos e calmarias. Ignoramos, propositadamente, os sinais confusos dos aparelhos náuticos que estavam ao nosso alcance com suas formas indecifráveis e, como náufragos sem bússola, nos cruzamos enredados em teias indescritíveis – atraídos, certamente, por uma inexplicável química mágica. Quando sentimos os primeiros sinais de bonança e o vento ficou mais ameno, nos permitimos um espaço de pausa na jornada.
Foi assim que nos vimos pela primeira vez, ou provavelmente nos reencontramos. Não sei se éramos dois estranhos ou velhos conhecidos, a segunda hipótese é a mais provável porque permanecíamos horas e horas do relógio cósmico a contar e recontar histórias e trajetos vividos, curando nossas feridas, despidos de vaidades, das culpas seculares e sem saudades do perdido paraíso terrestre.
Vivenciamos momentos mágicos de intensa ternura, grudados um no outro, com beijos insondáveis e carências milenares. Tentávamos, assim, avidamente, preencher com amor infinito, as lacunas deixadas pelos desamores doloridos que carregávamos como bagagem insuportável, desde que empreendemos a nossa inusitada viagem cósmica. Assim, rejuvenescemos a olhos vistos, os incômodos sinais do tempo se atenuaram e, como éramos atemporais, sabíamos que no tempo cósmico nunca se envelhece.
Se estávamos numa ilha paradisíaca, ou em qualquer outro acidente geográfico convencional, constituia-se numa questão nada importante para nós. Fascinados um pelo outro, dispensamos a razão instrumental, os blocos de anotações, os computadores e nos guiamos por outros paradigmas intuitivos, sentimentais, amorosos que até então ignorávamos e relutávamos em nos permitir.
Passeávamos de mãos dadas, colhíamos as raízes e nos alimentávamos da luminosidade solar e da energia do universo. Os teimosos raiozinhos de sol nos abençoavam e, em cada grão de areia que pisávamos, estava ali presente a sabedoria de milênios. Aprendemos a ler nas estrelas, no movimento dos astros, nas pegadas da praia, no colorido das plantas e nos desenhos dos penhascos. Morríamos de rir, quando víamos que muitos penhascos tinham a nossa imagem, talvez como marcas registradas dos nossos tropeços terrenos.
Assim, experimentamos e nos apropriamos do melhor dos tempos à disposição dos humanos: o tempo da delicadeza. Um tempo para o qual é preciso optar pelo mundo dos sonhos, experimentar a felicidade como uma idéia nova e fugir das sombras do medo.
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