Monday, December 05, 2011

Friday, November 25, 2011

Destino e seus misterios

O destino baralha as cartas, e nós jogamos.

     Schopenhauer

Saturday, September 10, 2011

Filósofo defende a transformação da ética a partir da biologia



Filósofo defende a transformação da ética a partir da biologia


Por Slavoj Zizek




Podemos contar hoje com uma bio-ética? Sim, mas ela é ruim --o que os alemães chamam de "Bindenstrich-Ethik", uma ética com hífen. O que se perde nessa ética com hífen é simplesmente a ética como tal.




Seu problema não é que a ética universal seja dissolvida numa miríade de temas particulares (bioética, ética comercial, ética médica...), mas, muito ao contrário, que determinados avanços científicos se confrontam diretamente com os antigos "valores" humanistas, provocando reclamações sobre como as perspectivas da biogenética ameaçam nosso senso de dignidade e autonomia.




De modo sucinto, a principal consequência dos avanços na biogenética é o fim da natureza: ao conhecermos as regras de sua construção, os organismos naturais se tornam objetos disponíveis e manipuláveis. A natureza, humana e inumana, é assim "dessubstancializada", privada de sua impenetrável densidade, daquilo que Heidegger chamou de "terra". A biogenética, com sua redução da própria psique humana a um objeto de manipulação tecnológica, é portanto efetivamente uma espécie de instância empírica do que Heidegger via como o "perigo" inerente à tecnologia moderna.




É crucial aqui a interdependência entre homem e natureza: ao reduzir o homem a um mero objeto natural cujas propriedades podem ser manipuladas, o que perdemos não é (somente) a humanidade, mas a PRÓPRIA NATUREZA. Nesse sentido Francis Fukuyama está certo: a própria humanidade depende de certa noção de uma "natureza humana" herdada, da dimensão impenetrável em/de nós mesmos na qual nascemos/somos atirados: o homem só existe na medida em que existe a impenetrável natureza inumana.




Como, então, reagimos a essa ameaça? Lembre-se do conhecido caso da doença de Huntington: o gene diretamente responsável por ela foi isolado, e qualquer pessoa pode saber exatamente não apenas se sofrerá de Huntington, mas também quando. Depende de um erro de transcrição genética -a repetição gaguejante da "palavra" CAG [citosina-adenina-guanina] no meio desse gene: a idade em que a loucura surgirá depende estrita e implacavelmente do número de repetições de CAG em certo lugar desse gene (se houver 40 repetições, a pessoa terá os primeiros sintomas aos 59 anos; se houver 41 repetições, aos 54; se houver 50, aos 27).




Uma vida aprazível, condicionamento físico, os melhores remédios, alimentação saudável, o amor e o apoio familiar nada podem fazer a esse respeito: "É pura fatalidade, independente da variabilidade ambiental" [Matt Ridley, no livro "Genoma"]. Ainda não há tratamentos, nada se pode fazer sobre isso.




Então o que devemos fazer ao saber que podemos nos submeter a exames e assim adquirir uma informação que, se positiva, dirá exatamente quando vamos ficar loucos e morrer? Podemos imaginar confronto mais claro com o Real totalmente sem sentido de uma contingência que determina nossa vida? Não admira que a maioria das pessoas (inclusive os cientistas que identificaram esse gene) prefira a ignorância -essa ignorância não é simplesmente negativa, já que seu vácuo abre espaço para a imaginação. Além disso, o fato de que, com a perspectiva das intervenções biogenéticas aberta pelo acesso ao genoma, a espécie modifica/redefine à vontade a SI MESMA, suas próprias coordenadas, efetivamente emancipa a humanidade das restrições de uma espécie limitada, de sua escravidão a "genes egoístas".




Autolimitação conservadora




Essa emancipação, no entanto, tem um preço. Numa palestra em Marburg, Habermas repetiu sua advertência contra manipulações biogenéticas em seres humanos: "Com as intervenções no legado genético do homem, o domínio da natureza reverte a um ato de assumir-o-controle-de-si-mesmo, que modifica nossa autocompreensão genérico-ética e pode perturbar as condições necessárias de um modo de vida autônomo e um entendimento universalista da moral" [citado por Thorsten Jantschek, no jornal "Die Zeit" de 5 de julho de 2001]. Habermas vê aqui duas ameaças à espreita.




Primeiro, essas intervenções tornam imprecisos os limites entre o que nós criamos e o que cresceu espontaneamente, e portanto afeta a autocompreensão do indivíduo. Como um adolescente reagirá ao saber que suas tendências "espontâneas" (digamos, agressivas ou pacíficas) são resultado da intervenção intencional de outros em seu código genético? Isso não vai solapar o próprio núcleo de sua identidade como pessoa, ou seja, a noção de que desenvolvemos nossa identidade moral através da "Bildung", a dolorosa luta para formar/educar as tendências naturais de uma pessoa? Em última instância, a perspectiva das intervenções biogenéticas diretas torna sem sentido a própria idéia de educação.




Em segundo lugar, no plano intersubjetivo, essas intervenções biogenéticas darão origem a relações assimétricas entre os que são "espontaneamente" humanos e aqueles cujas características foram artificialmente manipuladas: algumas pessoas aparecerão como criadores privilegiados de outras pessoas...




No nível mais elementar, isso afeta nossa identidade sexual. O que está em jogo é não apenas a possibilidade de os pais escolherem o sexo dos filhos, mas o caráter das operações de mudança de sexo. Até hoje era possível justificá-las citando a lacuna entre as identidades biológica e psíquica de uma pessoa: quando um homem biológico se vê como uma mulher presa a um corpo de homem, por que não deveria poder mudar de sexo biológico e, assim, dar equilíbrio a sua vida sexual e emocional? No entanto, a possibilidade de manipulação biogenética abre uma perspectiva muito mais radical de manipulação da própria identidade psíquica.




Embora essa argumentação seja de uma simplicidade impecável, encerra um grande problema: o próprio fato da possibilidade das manipulações biogenéticas não modifica retroativamente nossa autocompreensão como seres "naturais", no sentido de que hoje experimentamos nossas próprias disposições "naturais" como algo "mediado", não apenas como algo dado imediatamente, mas algo que pode em princípio ser manipulado e é portanto simplesmente contingente? Não há como retornar ao imediato ingênuo: quando SABEMOS que nossas tendências naturais dependem da cega contingência genética, a adesão teimosa a essas tendências é tão falsa quanto a adesão a velhos hábitos "orgânicos" num universo moderno.




Assim, basicamente, o que Habermas está dizendo é: embora hoje saibamos que nossas disposições dependem da insignificante contingência genética, vamos fingir e agir como se não fosse o caso, de modo a mantermos nosso sentido de dignidade e de autonomia -o paradoxo, aqui, é que a autonomia só pode ser mantida proibindo o acesso à cega contingência natural que nos determina, isto é, em última instância, LIMITANDO a nossa autonomia e a liberdade de intervenção científica.




Não seria isso uma nova versão do antigo argumento conservador de que para mantermos nossa dignidade moral é melhor não saber certas coisas? Em suma, a lógica de Habermas é a seguinte: já que os resultados da ciência representam uma ameaça para nossa (noção predominante de) autonomia e liberdade, devemos reprimir a ciência -o preço que pagamos por essa solução é a separação fetichista entre ciência e ética ("Sei muito bem o que a ciência afirma; não obstante, para manter minha [aparência de] autonomia, prefiro ignorá-la e agir como se não soubesse"). Essa divisão nos impede de enfrentar a verdadeira pergunta: como essas novas condições nos forçam a transformar e reinventar as próprias noções de liberdade, autonomia e responsabilidade ética?




O que dizer do possível contra-argumento católico segundo o qual o verdadeiro perigo não é nossa efetiva redução a entidades não-espirituais, mas o próprio fato de que, na biogenética, NÓS, HOMENS, NOS TRATAMOS COMO TAL? Em outras palavras, o ponto principal não é termos ou não uma alma imortal etc. --é claro que temos--, mas que, ao lidarmos com a biogenética, perdemos a consciência disso e tratamos a nós mesmos como se fôssemos simples organismos biológicos.




No entanto, esse argumento apenas desloca o problema: nesse caso, não seriam os próprios fiéis católicos os sujeitos ideais para se envolver plenamente nas manipulações biogenéticas, já que seriam totalmente conscientes de estar lidando apenas com o aspecto material da existência humana, e não com o núcleo espiritual do homem? Em suma, eles deveriam ter permissão para fazer o que quisessem em biogenética, já que sua fé na alma humana etc. os impediria de reduzir o homem a um objeto de manipulações científicas. Assim, nossa pergunta volta com uma vingança: se os homens têm uma alma imortal ou uma dimensão espiritual autônoma, por que temer as manipulações biogenéticas?




Do ponto de vista psicanalítico, o cerne do problema está na autonomia da ordem simbólica. Suponha que eu seja impotente devido a algum bloqueio não resolvido em meu universo simbólico, e que eu tome Viagra em vez de me "educar" por meio do trabalho de resolver o bloqueio simbólico. A solução funciona, sou novamente capaz de atuar sexualmente, mas o problema permanece: Como o bloqueio simbólico em si será afetado por essa solução? Como ela será "subjetivada"?




Lições de psicanálise




A situação aqui é totalmente insolúvel: a solução não será vivenciada como o resultado de uma elaboração simbólica do bloqueio. Nesse sentido, ela pode desbloquear o obstáculo simbólico em si, obrigando-me a aceitar sua total insignificância; ou pode gerar um desvio psicótico, provocando a volta do obstáculo em um nível psicótico mais fundamental (digamos, sou levado a uma atitude paranóica, vendo a mim mesmo como exposto ao capricho de um senhor cujas intervenções podem decidir meu destino).




Existe sempre um preço simbólico a pagar por essas soluções "imerecidas". E, "mutatis mutandis", o mesmo vale para as tentativas de combater o crime por meio de intervenção bioquímica ou biogenética direta: quando se combate o crime submetendo os criminosos a tratamento bioquímico, obrigando-os a ingerir medicamentos contra o excesso de agressividade, deixa-se intacto o mecanismo social que desencadeou o potencial de agressividade nos indivíduos.




Outra lição da psicanálise é que --ao contrário da noção de que a curiosidade é inata aos seres humanos, de que no fundo de cada um exista uma "Wissenstrieb", a pulsão de saber-- a atitude espontânea do ser humano é a de "Não quero saber". Todo avanço no conhecimento é produzido por uma dolorosa luta contra propensões espontâneas. Voltemos um momento ao mal de Huntington: se em minha família existe um caso, deveria eu fazer o exame que dirá se (e quando) contrairei inexoravelmente a doença, ou não?




Se não puder suportar a perspectiva de saber quando morrerei, a solução ideal (mais fantasiosa que realista) talvez seja autorizar uma pessoa ou instituição em que eu confie totalmente a me examinar e NÃO ME CONTAR O RESULTADO, para me matar de maneira inesperada e indolor quando eu estiver dormindo, pouco antes do ataque da doença fatal, se o resultado for positivo... No entanto, o problema dessa solução é que eu sei que o Outro sabe (a verdade sobre minha doença), e isso estraga tudo, expondo-me a uma terrível e aflitiva suspeita.




Seria então a solução ideal a contrária: se eu suspeitar que meu filho pode ter a doença, eu o examino sem ele saber e depois o mato de modo indolor pouco antes do ataque? A fantasia máxima aqui seria a de uma instituição estatal anônima fazer isso com todos nós sem nosso conhecimento -porém, mais uma vez, surge a pergunta: nós sabemos (que o outro sabe) ou não? Está aberto o caminho para uma sociedade perfeitamente totalitária... O que é falso aqui é a premissa subjacente: a noção de que o dever ético máximo é o de proteger o Outro da dor, mantê-lo na ignorância protetora.




A conclusão inevitável é que, com a biogenética, não se trata tanto de perdermos a dignidade e a liberdade -na verdade sentimos que NUNCA AS TIVEMOS, PARA COMEÇO DE CONVERSA. Se hoje temos "terapias que tornam imprecisa a separação entre o que conquistamos por conta própria e o que conquistamos devido aos níveis de várias substâncias químicas em nossos cérebros" [Fukuyama, "Our Post-Human Future"], a própria eficiência dessas terapias não implica que "o que conquistamos por conta própria" também depende de um grau DIFERENTE de "níveis de substâncias químicas em nossos cérebros"? Então não é como se nos dissessem que, para citar o famoso título de Tom Wolfe, "Perdão, sua Alma Acaba de Morrer"-; o que nos dizem, efetivamente, é que nunca tivemos uma alma, para começo de conversa.




Ilusão de dignidade




Se as alegações da biogenética estiverem certas, então a opção que enfrentamos hoje não é entre a dignidade humana e a geração tecnológica "pós-humana" de indivíduos, mas entre agarrar-se à ILUSÃO de dignidade e aceitar a REALIDADE do que somos.




Por isso, quando Francis Fukuyama afirma que "o desejo de reconhecimento tem uma base biológica, e essa base está relacionada aos níveis de serotonina no cérebro", nossa própria consciência desse fato não mina o sentimento de dignidade decorrente de sermos reconhecidos pelos outros? Não podemos tê-lo em ambos os níveis ao mesmo tempo -podemos tê-lo apenas ao preço de uma abjuração fetichista: "Embora eu saiba muito bem que minha auto-estima depende da serotonina, de qualquer modo a aprecio..."




Na página seguinte, Fukuyama expõe os três níveis para se conquistar auto-estima: "A maneira normal, e moralmente aceitável, de superar a baixa auto-estima era lutar consigo mesmo e com os outros, trabalhar duro, suportar sacrifícios às vezes dolorosos e finalmente ascender e ser visto como alguém que realizou isso.




O problema da auto-estima como é entendida na psicologia pop americana é que ela se torna um direito, algo que todo mundo precisa ter, seja ou não merecido. Isso desvaloriza a auto-estima e torna prejudicial sua busca. Mas então vem a indústria farmacêutica americana, que por meio de drogas como Zoloft e Prozac pode oferecer auto-estima engarrafada, elevando a serotonina no cérebro" ["Our Post-Human Future"].




A diferença entre a segunda e a terceira opções é muito mais assustadora do que pode parecer. Quando eu obtenho auto-estima porque a sociedade concorda que tenho direito a isso e oferece o reconhecimento de meus pares, trata-se na verdade de um paradoxo performático que se destrói a si mesmo; no entanto, quando a obtenho através de drogas, consigo a "coisa real".




Imaginemos o seguinte roteiro: eu participo de um concurso de perguntas e respostas; em vez do difícil processo de aprender, eu reforço minha memória com drogas -no entanto, a auto-estima que obtenho ao vencer o concurso ainda se baseia na conquista real, isto é, eu realmente me saí melhor que meu colega que passou noites tentando aprender todos os fatos importantes sobre o tema do concurso.




O contra-argumento intuitivo óbvio é que apenas meu adversário realmente tem o direito de sentir-se orgulhoso, porque seu resultado foi consequência de trabalho duro e árdua dedicação -no entanto, não há algo inerentemente humilhante e condescendente nessa posição, como ao dizermos para uma pessoa com deficiência mental que consegue tecer o cesto proverbial: "Você deve se orgulhar pelo que fez"?




Além disso, não consideramos justificável que alguém com um enorme talento natural para cantar se orgulhe de seu desempenho, embora estejamos conscientes de que seu canto se baseia mais em talento do que em esforço e estudo (o antigo problema Mozart-Salieri)? Entretanto, se eu melhorasse meu canto por meio de uma droga, não seria objeto de estima (a não ser na situação em que eu fizesse um grande esforço para inventar essa droga e a testasse em mim mesmo).




Portanto, não se trata simplesmente de trabalho duro e esforço "versus" a ajuda de uma droga: o ponto principal é que tanto o trabalho duro como o talento são considerados "parte de mim", do meu "Self", enquanto o aperfeiçoamento através da droga resulta de uma manipulação externa.




E, mais uma vez, isso nos leva de volta ao mesmo problema: quando SABEMOS que meu "talento natural" depende de uma substância química em meu cérebro, realmente importa, moralmente, se eu o obtive do exterior ou ao nascer? Para complicar ainda mais as coisas: E se minha própria disposição para me dedicar ao esforço interior, à disciplina e ao trabalho duro depender de uma substância química?




E se, para vencer um concurso, eu não tomar diretamente uma droga que reforce minha memória, mas "simplesmente" uma droga que reforce meu empenho e minha dedicação? Também é "trapaça"? Por que então Fukuyama passa da defesa da democracia liberal como "fim da história" para a ameaça representada pelas ciências do cérebro? A resposta parece fácil: a ameaça biogenética é uma versão nova e muito mais radical do "fim da história", que mina os próprios fundamentos da democracia liberal: os novos avanços científicos e tecnológicos potencialmente tornam obsoleto o sujeito liberal-democrata livre e autônomo.




Existe, porém, um motivo mais profundo para Fukuyama voltar-se para as ciências do cérebro, um motivo que envolve diretamente sua visão política: é como se a perspectiva das manipulações biogenéticas obrigasse Fukuyama a perceber o reverso sombrio de sua imagem idealizada da democracia liberal.




De repente, a propósito da ameaça biogenética, ele é forçado a confirmar todas as coisas que desapareceram magicamente de sua utopia liberal-democrata: as perspectivas sombrias de as corporações usarem o mercado livre para manipular as pessoas e dedicar-se a terríveis experimentos médicos, de os ricos criarem sua prole como uma raça especial, com capacidades físicas e mentais superiores, instigando assim uma nova guerra de classes.




Está claro para Fukuyama que a única maneira de conter esse perigo é reafirmar um forte controle estatal do mercado e desenvolver novas formas de vontade política democrática. (Embora seja fácil fazer graça com as óbvias simplificações de Fukuyama, há mesmo assim algo de refrescante em sua figura: em nosso espaço intelectual cheio de falsos protestos, finalmente um apologista da ordem existente totalmente dedicado -e não é de admirar que sua obra com frequência produza um inesperado grão de verdade.)




Fim da história e do sujeito




Embora concordemos com tudo isso, somos tentados a acrescentar: não precisamos dessas medidas também independentemente da ameaça biogenética, apenas para controlar o terrível potencial da economia de mercado global? Talvez o problema não seja a biogenética em si, mas sobretudo o contexto social das relações de poder no qual ela funciona.




O problema de Fukuyama é portanto duplo: sua argumentação é ao mesmo tempo abstrata demais e concreta demais. Ele deixa de questionar todas as implicações filosóficas das novas ciências e tecnologias da mente, e deixa de situar essas ciências e tecnologias em seu contexto socioeconômico antagônico.




O que ele não compreende (e um verdadeiro hegeliano DEVERIA compreender) é a ligação necessária entre os dois "fins da história", a passagem necessária de um para outro: o "fim da história" liberal-democrata imediatamente se transforma em seu contrário, já que, no momento mesmo de seu triunfo, começa a perder sua própria base: o sujeito liberal-democrata.




A biogenética (e, de maneira geral, também o reducionismo cognitivista-evolucionário) deveria ser atacada de uma direção diferente. Bo Dahlbom está certo, em sua crítica de Daniel Dennett ["Mind is Artificial", no volume "Dennett and his Critics"], quando insiste no caráter SOCIAL da "mente".




Em primeiro lugar, as teorias da mente são obviamente condicionadas por seu contexto social e histórico: a noção de Dennett de diversos esboços concorrentes não exibe suas raízes no capitalismo tardio "pós-industrial", com seus motivos de concorrência, descentralização etc.?




Fredric Jameson propôs recentemente uma leitura de "Consciousness Explained" [A Consciência Explicada] como uma alegoria do capitalismo atual. De modo ainda mais importante, Dennett insiste que as ferramentas -a inteligência exteriorizada de que os seres humanos dependem- são uma parte inerente da identidade humana: não tem sentido imaginar um ser humano como uma entidade biológica, SEM a rede complexa de suas ferramentas -essa idéia equivale a, por exemplo, um ganso ou um pássaro sem penas.




Ele não abre assim um caminho que deveria ser levado muito mais adiante que no próprio Dennett? Já que, para colocar nos bons e velhos termos marxistas, o homem é a totalidade de suas relações sociais, por que Dennett não dá o passo lógico seguinte e analisa diretamente essa rede de relações sociais?




Esse domínio da "inteligência exteriorizada", desde as ferramentas até, especialmente, a própria linguagem, e as relações sociais nela envolvidas, forma um domínio por si só, o do que Hegel chamou de "espírito objetivo", o domínio da substância artificial em oposição à substância natural.




A fórmula proposta por Dahlbom, portanto, é: da "Sociedade de Mentes" (a idéia desenvolvida por Minsky, Dennett e outros) às "Mentes de Sociedade", isto é, a mente humana como algo que só pode surgir e funcionar dentro de uma complexa rede de relações sociais e complementos mecânicos artificiais que "objetivam" a inteligência.




Agora podemos ver onde está o erro do projeto reducionista: o problema não é como reduzir a mente a processos neurais "materiais", substituir a linguagem da mente pela linguagem dos processos cerebrais, traduzir a primeira na segunda, mas, sobretudo, compreender como a mente pode surgir somente ao estar incrustada na rede de relações sociais e complementos materiais.




Deveríamos portanto mudar a ênfase da metáfora para a metonímia: o verdadeiro problema não é "Como seria possível as máquinas IMITAREM a mente humana?", mas: "Como a própria identidade da mente humana depende de complementos mecânicos externos, como ela incorpora as máquinas?"




Controle remoto interior




Em março de 2002 a mídia relatou que Kevin Warwick, de Londres, tornou-se o primeiro ciber-homem: em um hospital de Oxford, seu sistema neurológico foi diretamente conectado a uma rede de computadores; ele é, portanto, o primeiro homem para o qual dados são fornecidos diretamente, sem passar pelos cinco sentidos. ISSO é o futuro: a combinação, e não a substituição, da mente humana com o computador.




Tivemos mais uma amostra desse futuro em maio de 2002, quando foi relatado que cientistas da Universidade de Nova York ligaram um chip de computador diretamente ao cérebro de um rato, de modo que se podia dirigir o rato (determinar a direção em que ele correria) por meio de um mecanismo semelhante ao de um carrinho com controle remoto.




Esse não é o primeiro caso de ligação direta entre um cérebro e uma rede de computadores: já existem ligações que permitem a pessoas cegas receber informações visuais elementares sobre seu entorno diretamente no cérebro, sem passar pelo aparato da percepção visual (olhos etc.); o que é novo, no caso do rato, é que pela primeira vez a "vontade" de um agente animal vivo -as decisões "espontâneas" sobre os movimentos que fará- é controlada por uma máquina externa.




A questão filosófica aqui é: como o infeliz rato "vivenciou" seu movimento, que na verdade foi decidido externamente? Ele continuou a "vivenciá-lo" como algo espontâneo, isto é, estava totalmente inconsciente de que seus movimentos eram dirigidos? Ou tinha consciência de que "alguma coisa estava errada", de que outro poder externo estava decidindo seus movimentos? E o que acontecerá quando o mesmo experimento for realizado em seres humanos (o que, não obstante as questões éticas, não deverá ser muito mais complicado que no caso do rato)?




Então, mais uma vez: Um ser humano dirigido continuará "vivenciando" seus movimentos como algo espontâneo, continuará totalmente inconsciente de que seus movimentos são dirigidos, ou terá consciência de que "alguma coisa está errada", de que outro poder externo está decidindo seus movimentos? E como, exatamente, aparece esse "poder externo"? Como algo "dentro de mim", um impulso interno incontível, ou como uma simples coerção externa? Também são sintomáticas as possíveis aplicações desse mecanismo mencionadas por cientistas e jornalistas: o acoplamento de ajuda humanitária e campanha antiterrorista -poderíamos usar ratos ou outros animais dirigidos para encontrar vítimas de um terremoto sob os destroços E para atacar terroristas sem pôr em risco vidas humanas...




A tendência no desenvolvimento dos computadores é na direção de sua invisibilidade: as grandes máquinas ronronantes com misteriosas luzes piscando serão cada vez mais substituídas por pequenas peças adaptadas de modo imperceptível a nossos ambientes "normais", permitindo que funcionem mais suavemente. Os computadores, em vez de se tornarem os monstros vorazes vistos nos filmes de ficção científica, se tornarão tão pequenos e imperceptíveis que serão invisíveis, em toda parte e em lugar nenhum, tão poderosos que desaparecerão de vista.




Basta lembrarmos os automóveis de hoje, em que muitas funções são realizadas suavemente devido a pequenos computadores que a maioria de nós não percebe (acionamento dos vidros, aquecimento...); no futuro próximo, teremos cozinhas, ou até vestidos, copos e sapatos computadorizados. Longe de ser uma questão de um futuro distante, essa invisibilidade já está aqui: daqui a um ano a Philips pretende lançar no mercado um telefone e reprodutor de música que será entremeado ao tecido de um paletó de tal forma que será possível não apenas vestir o paletó da maneira habitual, sem se preocupar com o maquinário digital, mas também lavá-lo sem remover nada.




Esse desaparecimento do nosso campo de experiência sensual (visual) não é tão inocente quanto possa parecer: a própria característica que tornará fácil lidar com o paletó Philips -não mais uma máquina volumosa e delicada, mas quase uma prótese orgânica de nosso corpo- lhe conferirá um caráter fantasmagórico de Mestre invisível todo-poderoso -a prótese maquínica será menos um aparato externo com o qual interagimos e mais uma parte de nossa experiência direta como organismo vivo, com o que nos descentrará a partir do interior.




Por esse motivo, é enganoso o paralelo entre a crescente invisibilidade dos computadores e o conhecido fato de que quando as pessoas sabem suficientemente bem alguma coisa deixam de ter consciência dela. O sinal de que aprendemos uma língua é que não precisamos mais nos concentrar em suas regras: não apenas a falamos "espontaneamente", como nos concentrarmos ativamente em suas regras nos impede de falar com fluência. No entanto, no caso da língua, tivemos de aprendê-la antes, "tê-la na cabeça", enquanto os computadores invisíveis em nossos ambientes estão aí agindo não "espontaneamente", mas apenas cegamente.




Então, o que teria dito Hegel a respeito do projeto genoma e das intervenções biogenéticas? Qualquer que fosse sua reação, certamente não teria sido retrair-se com medo, preferindo a ignorância ao risco. Hegel não se alegraria com "Tu És Genoma", nessa versão definitiva e fragmentadora do antigo "Tu És Isso", como o exemplo máximo do julgamento infinito cujos dois outros famosos exemplos hegelianos são "O espírito é um osso" e "O "Self" é dinheiro"?



Ao contrário de Jürgen Habermas, deveríamos assim afirmar a necessidade ética de assumirmos a plena objetivação do genoma: essa redução do meu ser substancial à fórmula insensível do genoma me força a atravessar o fantasmagórico "étoffe du moi", o estofo de que são feitos nossos egos -e é somente através desse esforço que pode emergir a subjetividade propriamente dita.

Monday, August 22, 2011

Marx ataca



Marx ataca
Lançamento dos Grundrisse reatualiza ideias do filósofo, como fetichismo e alienação
Publicado em 22 de agosto de 2011
TAGS: grundrisse, Marx, Vladimir Safatle


Vladimir Safatle

Jacques Lacan costumava dizer que nunca se ultrapassava um grande pensador, pois a verdade era sempre nova. Talvez seja o caso de aplicar tal raciocínio a Karl Marx.

Poucos foram os autores tão acusados de nada mais ter a dizer sobre nosso tempo do que esse filósofo que um dia afirmou que a função maior do pensamento não era interpretar a realidade, mas transformá-la. Vinculou-se de bom grado o destino de suas ideias ao mesmo lugar a que foram enviados os regimes comunistas do século 20, ou seja, à lata de lixo da história.

No entanto, nestes últimos 20 anos pós-queda do Muro de Berlim não foram poucas as vezes em que o espectro de Marx pareceu retornar. Um retorno que ganhou nos últimos dois anos força inusitada.

Qualquer um que frequente livrarias pelo mundo percebe como livros sobre Marx ou de sua própria autoria voltaram às prateleiras. Embalado principalmente pelo desencanto provocado pela crise econômica de 2008, o retorno de Marx faz parte de um movimento lento que visa recolocar esquemas alternativos de reflexão sobre o desenvolvimento das sociedades modernas e seus impasses.

O caso brasileiro não poderia ser diferente, já que, entre nós, o pensamento marxista nunca desapareceu completamente – resultado da existência de uma robusta tradição marxista local. Apenas neste ano, o Brasil recebeu as primeiras traduções diretas do alemão de textos maiores como O 18 de Brumário, Guerra Civil na França e os Grundrisse (Boitempo).

Desses lançamentos, certamente o último é o empreendimento mais ousado. Trata-se de uma espécie de primeira versão dos estudos que posteriormente dariam forma à obra maior de Marx: O Capital. Nos Grundrisse, podemos ver seu pensamento em movimento, apreendê-lo em seu processo de trabalho com suas articulações decisivas entre filosofia, lógica hegeliana e economia política.

No entanto, seria interessante perguntar qual é este Marx que atualmente retorna. O século 20 conheceu o Marx da luta de classes, da revolução proletária iminente, da teleologia histórica. O Marx fundamental na organização do imaginário que guiou os grandes partidos esquerdistas que animaram as lutas políticas do século com suas demandas de ruptura e revolução.


Pré-modernidade

Já nos anos 1930, os teóricos da chamada Escola de Frankfurt não tinham muitas esperanças nesse Marx, embora ele ainda mobilizasse grandes contingentes à espera da redenção histórica. Da mesma forma, o pensamento que se desdobrou a partir de maio de 1968 tinha como seu objeto maior de crítica à crença nas “metanarrativas” dessa história revolucionária.

Mas é fato que duas outras temáticas parecem agora retornar com força e se colocar na linha de frente do retorno de Marx. Elas alimentam o Marx teórico da alienação nas sociedades modernas e do fetichismo próprio ao capitalismo.

Certamente, a teoria marxista do fetichismo é um dos modelos mais profícuos de compreensão do núcleo regressivo das sociedades modernas, ou seja, da maneira com que nossas sociedades ditas desencantadas têm, em seu núcleo central, um encantamento estruturalmente parecido ao encantamento fetichista dos povos pré-modernos.

Ela foi usada como regime de crítica aos bloqueios sociais de reconhecimento nas esferas fundamentais de nossa forma de vida, como as esferas do trabalho, do desejo (vide o trabalho dos freudo-marxistas) e da linguagem (vide a teoria adorniana da cultura). Tal teoria, contrariamente ao que se acreditava nos anos 1960, é um setor fundamental da crítica da alienação que assombra nossas sociedades.

Wednesday, June 15, 2011

O pioneirismo de PAGU

A ESCANDALOSA NORMALISTA


Pagú nasce Patrícia Rehder Galvão no dia 09 de junho de 1910 em São João da Boa Vista, São Paulo, terceira filha de Adélia Rehder Galvão e Thiers Galvão de França. Três anos depois a família se muda para São Paulo, cidade que passava, desde o fim do século XIX, por profundas transformações. Há um surto de expansão econômica motivado sobretudo pelas lavouras cafeeiras do interior do estado e pela proliferação de indústrias. É nesta cidade que crescia vertiginosa e desordenadamente que Patrícia passa a freqüentar a escola. De saia azul, blusa branca, cabelos soltos e batom escuro, ela chama a atenção dos rapazes da Faculdade de Direito ao passar diariamente pelo largo de São Francisco.



“Era uma menina forte e bonita, que andava sempre muito extravagantemente maquiada, com uma maquiagem amarelo-escura, meio cor de queijo palmira, e pintava os lábios de quase roxo, tinha um cabelo comprido, assim pelos ombros, e andava com o cabelo sempre desgrenhado e com grandes argolas na orelha. Passava sempre lá pela faculdade, de uniforme de normalista. E os estudantes buliam muito com ela, diziam muita gracinha pra ela (...) faziam muita piada e ela respondia à altura, porque não tinha papas na língua para responder”, descreve um estudante de direito da época.



Alfredo Mesquita, em texto de 1971, falou sobre a amiga: “Pagú fora aluna célebre da ‘Escola Normal da Praça’ (...) Corriam em São Paulo, cidade provinciana, histórias malucas a seu respeito: fugas, pulando janelas e muros da escola, cabelos cortados e eriçados, blusas transparentes de decotes arrojados, cigarros fumados em plena rua. Escândalos, para a época”.



A “escandalosa” Pagú presencia também, ainda que muito jovem – tinha à época 12 anos – a Semana de Arte Moderna de 1922 e o início do movimento modernista, do qual mais tarde iria participar. Em 1925, com quinze anos, passa colaborar no Brás Jornal, assinando Patsy.



Além da Escola Normal, Zazá, como era conhecida pelos familiares, freqüenta com a irmã Sidéria o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde lecionava Mário de Andrade. Numa crônica escrita para o Diário de São Paulo muitos anos depois, a própria Patrícia rememoraria o poeta àquela época:



“Mário de Andrade tinha um riso largo de criança, na minha infância, eu roubando frutas no tabuleiro da casa que tinha perto do Conservatório, na avenida São João, e nós meninas sem saber que aquele professor comprido e feio, de riso de criança grande, era um poeta, comia amendoim abrindo o clã do jabuti, e ninguém de nós no piano, na sala, na rua, na porta, pressentindo “depois de amanhã o porvir, sim, o porvir...” Nenhuma de nós sabia que o poeta era o poeta, que o professor fosse outra coisa” (“Cor local: Depois de amanhã Mário de Andrade”, Diário de São Paulo, 23/2/47).





O ENVOLVIMENTO COM O GRUPO ANTROPOFÁGICO









Em 1928 Patrícia completa o Curso Normal da Escola da Capital e é neste mesmo ano que entra em contato com o grupo da Antropofagia. Também neste momento ganha o apelido que a acompanharia pela vida toda, ainda que mais tarde já não gostasse de ser chamada assim: Pagú. Foi Raul Bopp quem lhe deu o apelido. Em depoimento a Augusto de Campos, Bopp afirma que Patrícia lhe mostrara alguns poemas e ele sugeriu que ela adotasse esse nome de guerra literário. O poeta pensara que ela se chamava Patrícia Goulart, e compôs o nome juntando as supostas iniciais. Em outubro de 1928, Bopp publica na revista Para Todos..., do Rio, o poema “Coco de Pagú”:



“Pagú tem uns olhos moles

uns olhos de fazer doer.

Bate-coco quando passa.

Coração pega a bater.



Eh Pagú eh!

Dói porque é bom de fazer doer (...)”



É o mesmo Bopp quem a introduz no salão da Alameda Barão de Piracicaba, nas reuniões oferecidas por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, o casal “mais admirado e requisitado da sociedade paulistana”, nas palavras de Maria Eugênia Boaventura, biógrafa de Oswald. Ele e Tarsila logo simpatizam com a jovem ousada e excêntrica, que a partir de então passa a freqüentar as reuniões do grupo. Segundo depoimento do arquiteto Flávio de Carvalho, dado em 1964, Pagú “era uma colegial que Tarsila e Oswald resolveram transformar em boneca. Vestiam-na, calçavam-na, penteavam-na, até que se tornasse uma santa flutuando sobre as nuvens”.



O movimento antropofágico, lançado em 1928 com o “Manifesto Antropófago” de Oswald de Andrade, era uma radicalização do modernismo de 22. O texto de Oswald foi publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia, criada para difundir o movimento. Segundo Maria Eugênia Boaventura, o movimento antropófago representa o extremismo do modernismo, sua forma mais revolucionária. “Ele reproduz e intensifica todos os tipos anteriores de ruptura. Representa uma síntese metafórica da trajetória dos diferentes grupos da experiência moderna no Brasil”.



Após dez números a revista passa por uma reformulação e inicia sua segunda fase, ainda mais radical que a primeira, fazendo com que haja uma cisão no grupo e vários integrantes encerrem sua colaboração, como Mário de Andrade e Alcântara Machado. “A Revista de Antropofagia, em ambas as fases, de vários modos, ridiculariza a ação e o pensamento dos companheiros modernistas que não aderem, afastam-se do grupo, ou ainda, de escritores que se opõem à programática antropofágica.”, esclarece Boaventura.



É nesta “segunda dentição” - como os autores se referiam à nova fase -, iniciada em março de 1929, que Pagú inicia sua colaboração, basicamente com desenhos. Em junho do mesmo ano ela se apresenta numa festa beneficente no Teatro Municipal em que, vestida por Tarsila, declama poemas modernistas, incluindo o “Coco” de Bopp e um poema de sua autoria, presente no “Álbum de Pagú”, de 1929, livro com poemas e desenhos feitos por ela:



“...a minha gata é safada e corriqueira...

arremeda ‘picassol’

trepa na trave do galinheiro e preguiçosamente escancara a

boca e as pernas.

...a minha gata é vampira...

mimo de um italiano velho e apaixonado. general de brigada. dois

metros de altura. pelado e sentimental. atavismo.

o luxo da minha gata é o rabo

ela pensa que é serpente...”



A partir dessa apresentação, Pagú torna-se conhecida para além dos artistas e intelectuais que freqüentavam a Alameda Barão de Piracicaba. A relação dela com Tarsila e Oswald era cada vez mais estreita – especialmente com este último, com quem inicia um romance neste mesmo ano de 1929. Oswald descreveria de forma bem humorada o abalo na relação com Tarsila:



“Se o lar de Tarsila

vacila

é por causa

do angu

de Pagú”



Em 20 de julho é inaugurada no Rio a primeira exposição individual de Tarsila no Brasil. Uma comitiva de “antropófagos” formada entre outros por Pagú, Anita Malfatti, o pintor Waldemar Belisário e Oswald acompanha a pintora à cidade. Em reportagem à revista Para Todos... (“Na exposição de Tarsila”), Clóvis de Gusmão publica uma breve entrevista de Pagú:



“Pagú veio ao Rio com Tarsila (...) a gente quando vê Pagú repete pra dentro aquilo que o Bopp escreveu: - dói – porque é bom de fazer doer!

- Que é que você pensa, Pagú, da antropofagia?

- Eu não penso: eu gosto.

- Tem algum livro a publicar?

- Tenho: a não publicar: os “60 poemas censurados” que eu dediquei ao Dr. Fenolino Amado, diretor da censura cinematográfica. E o Álbum de Pagú – vida paixão e morte – em mãos de Tarsila, que é quem toma conta dele. As ilustrações dos poemas são também feitas por mim.

- Quais as suas admirações?

- Tarsila, Padre Cícero, Lampeão e Oswald. Com Tarsila fico romântica. Dou por ela a última gota do meu sangue. Como artista só admiro a superioridade dela.

- Diga alguns poemas, Pagú.



(Informações: - Pagú é a criatura mais bonita do mundo – depois de Tarsila, diz ela. Olhos verdes. Cabelos castanhos. 18 anos. E uma voz que só mesmo a gente ouvindo).”



É provável que a mesma beleza que encantara o repórter tenha feito com que Oswald deixasse Tarsila para se unir a Pagú. Grávida de Oswald, Pagú casa-se em 28 de setembro com o pintor Waldemar Belisário, como forma de manter as aparências. Mas tudo fora planejado por Oswald com o consentimento do pintor, que devia favores pessoais a ele. Logo após a cerimônia civil, o casal partiu em lua-de-mel para Santos mas, no alto da serra, Waldemar trocou de lugar com Oswald, que os esperava, e voltou para São Paulo. O casamento foi anulado em 5 de fevereiro de 1930.



Em 5 de janeiro de 1930 Pagú e Oswald casam-se em frente ao jazigo da família do escritor, conforme escreve Oswald em O romance da época anarquista ou Livro das horas de Pagú que são minhas, espécie de diário iniciado em maio de 29, provavelmente data do início do romance entre os dois:



“1930, 5 de janeiro. Nesta data, contrataram casamento a jovem amorosa, Patrícia Galvão e o crápula forte, Oswald de Andrade. Foi diante do túmulo do Cemitério da Consolação, à Rua 17, n.º 17, que assumiram o heróico compromisso. Na luta imensa que sustentaram pela vitória da poesia e do estômago, foi grande o passo prenunciador, foi o desafio máximo. Depois se retrataram diante de uma igreja. Cumpriu-se o milagre. Agora, sim, o mundo pode desabar.”




O CASAL QUE NÃO CABE NA SOCIEDADE E A MILITÂNCIA POLÍTICA




Mas o mais novo casal “antropófago” não encontrou as portas da sociedade paulistana abertas. Segundo Flávio de Carvalho, “quando Oswald rompeu com Tarsila, ligando-se a Patrícia Galvão, foi repudiado pela sociedade”. Olívia Guedes Penteado, famosa senhora da elite incentivadora dos jovens modernistas, recusa-se a receber o novo casal. Além disso, a crise de 1929 abalou seriamente a situação financeira de Oswald. Para fugir dos credores ele isolou-se com Pagú na Ilha das Palmas, em Santos. Outro endereço do casal foi a Vila Rafael, uma chácara no hoje bairro de Santo Amaro, onde vivia também Oswald de Andrade Filho, apelidado Nonê.



Em 25 de setembro de 1930 nasce Rudá de Andrade, primeiro filho de Pagú e segundo de Oswald. Segundo Boaventura, nessa época “Oswald vivia irresponsavelmente um sonho. Retalhava sua herança e a do filho, vendendo atabalhoadamente pedaços de terrenos para sobreviver. Fazia pouco caso de dinheiro, pois esperava a revolução iminente que iria socializar tudo. Nas ausências e retiradas estratégicas de Oswald e Pagú, quer para fugirem da polícia, quer para se dedicarem às tarefas políticas, Nonê tomava conta de Rudá”.



Três meses após o nascimento de Rudá, Pagú viaja para Buenos Aires para participar de um festival de poesias. Lá conhece Luís Carlos Prestes e volta entusiasmada com os ideais comunistas. Ao retornar ingressa no Partido Comunista e convence Oswald a filiar-se também. Começa então para ambos um período de intensa militância política, com um estilo de vida oposto ao que haviam se acostumado até então. As festas e reuniões em sociedade cedem lugar à militância e à incerteza. Em março de 1931 fundam o jornal tablóide O Homem do Povo que, segundo seu programa, embora não fosse filiado a nenhum partido apoiaria “a esquerda revolucionária em prol da realização das reformas necessárias”. Pagú escrevia artigos, fazia desenhos, charges e vinhetas, além de assinar a seção “A Mulher do Povo”, em que criticava as “feministas de elite” e as classes dominantes. O jornal durou apenas oito números, sendo impedido de circular pela polícia após a confusão gerada por ataques de Oswald à faculdade de Direito, que foi chamada por ele de “cancro” que minava o estado. O Homem do Povo acabou fechado por determinação do Secretário de Segurança do Estado.





PRISÃO POLÍTICA E PARQUE INDUSTRIAL
Pagú escreve o seu romance Parque Industrial que Oswald de Andrade edita. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a TÁBUA CRONOLÓGICA.


Pagú, que já havia participado das agitações de rua por ocasião da Revolução de 1930, participa de movimentos de operários da construção civil em Santos e em 23 de agosto de 1931 é presa como agitadora num comício de estivadores em greve na cidade. Oswald, na tentativa de ajudá-la, faz-se passar por seu advogado e também é preso. Ao ser libertada, o Partido Comunista, para se eximir de culpa, obriga-a assinar um documento em que se declarava uma “agitadora individual, sensacionalista e inexperiente”.



Em 1932 Pagú e Oswald já não vivem mais juntos. Ela vai para o Rio e instala-se numa Vila Operária, trabalhando como lanterninha num cinema da Cinelândia. Era parte do projeto do Partido fazer com que os intelectuais experimentassem o modo de vida e o trabalho dos operários. Apesar do entusiasmo mostrado pelos dois, a maioria dos companheiros do PC não acreditava nas intenções de Oswald e Pagú, conforme se observa nas memórias de um militante da época: “um desses elementos, podemos dizer perniciosos, era uma moça (poetisa) chamada Pagú, que vivia, às vezes, com Oswald de Andrade. Ambos haviam ingressado no Partido, mas para eles, principalmente para Oswald, tudo aquilo lhes parecia muito divertido. Ser membro do PC, militar ao lado dos operários ‘autênticos’, tramar a derrubada da burguesia e a instauração de uma ‘ditadura do proletariado’, era sumamente divertido e emocionante.” (depoimento de Leôncio Basbaum, 1978)



Em janeiro de 1933 Pagú lança seu primeiro romance, Parque Industrial – romance proletário, com edição financiada por Oswald. A autora esconde-se sob o pseudônimo de Mara Lobo por exigência do Partido Comunista. Esteticamente, Parque Industrial se insere nas experiências modernistas, notadamente com influências de Oswald de Andrade - que havia lançado seu Memórias sentimentais de João Miramar em 1924. É uma narrativa urbana, cujo foco central são os trabalhadores – ou melhor, as trabalhadoras – das indústrias da cidade de São Paulo, vivendo miseravelmente esmagadas pelas classes dominantes. Além de poder ser visto como um documento das ideologias de uma época, Parque Industrial é também um belo exemplo de uma experiência de linguagem.





MOSCOU, UM DESENCANTO
NO BRASIL, PRISÃO E TORTURA


Em dezembro do mesmo ano, Pagú sai em viagem pelo mundo na intenção de estudar e verificar in loco, na Rússia, como estava se executando na prática a ideologia pela qual lutava. Oswald ajuda no custeio da viagem e fica tomando conta de Rudá. Ela atua como correspondente dos jornais Diário da Noite (SP), Diário de Notícias e Correio da Manhã (RJ). Visita os Estados Unidos, Japão e China – onde entrevista Sigmund Freud. Da China parte para Moscou, em maio de 1934, numa viagem de oito dias pelo Transiberiano. A realidade que vê nas ruas da cidade a deixa profundamente decepcionada: “o ideal ruiu, na Rússia, diante da infância miserável das sarjetas, os pés descalços e os olhos agudos de fome. Em Moscou, um hotel de luxo para os altos burocratas, os turistas do comunismo, para os estrangeiros ricos. Na rua as crianças mortas de fome: era o regime comunista” (Verdade e Liberdade, 1950).



Sai de Moscou em direção à França, onde se estabelece por um tempo, freqüentando cursos da Université Populaire. Filia-se ao Partido Comunista francês com a identidade falsa de Leonnie, e participa de manifestações ao lado da Front Populaire (união dos partidos de esquerda). É detida três vezes antes de ser presa como militante comunista estrangeira, em julho de 1935. Salva de ser submetida ao Conselho de Guerra ou deportada para Itália ou Alemanha pelo embaixador Souza Dantas, acaba sendo repatriada.



Volta ao Brasil no fim do ano, quando se separa definitivamente de Oswald. Passa a colaborar no jornal A Platéia mas, pouco depois de sua chegada, é presa em razão da Intentona Comunista. Condenada a dois anos de prisão, fica nos presídios Paraíso e Maria Zélia, em São Paulo, mas foge antes de completar a pena. Presa novamente, é condenada a mais dois anos e meio de prisão, que cumpre dessa vez na Casa de Detenção do Rio de Janeiro. Além das torturas, Pagú sofre perseguições dos próprios correligionários de partido. Há nos seus arquivos uma carta desse período, cheia de desesperança, enviada ao futuro marido Geraldo Ferraz: “(...) Escrevo o retrocesso constatado no dia de hoje. Não consigo viver a vida artificial dos últimos dias em que me dissolvia na vida coletiva da prisão. Onde é que eu ia buscar o entusiasmo senil pelo lúmpen quando a própria lama hoje me decepciona? (...)”



Cumprida a pena, Pagú fica ainda na prisão por mais seis meses, por se recusar a prestar homenagem a Adhemar de Barros, então interventor federal em visita ao presídio. É libertada em julho de 1940, muito doente, pesando 44 quilos. A temporada de quase cinco anos de cárcere deixou marcas profundas na antiga musa antropofágica. Segundo a irmã Sidéria, ela tentou o suicídio logo após sair da prisão.





FORA DA CADEIA, INTENSA ATUAÇÃO JORNALÍSTICA


A saída da prisão marca uma nova fase na vida de Pagú. Ela passa a viver com Geraldo Ferraz, que seria seu companheiro até sua morte. Rompe com o Partido Comunista. Tem o segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz, em 1941, e passa a colaborar em diversas publicações como redatora, cronista ou crítica.

Durante toda a década de 1940, Pagú trabalha ativamente na imprensa, muitas vezes exercitando combativamente a crítica literária. Ela reclama da capitulação dos autores que, na vigência do Estado Novo, justificavam sua inércia pela falta de liberdade no país. Conforme nota o poeta Augusto de Campos, nas críticas que escrevia sente-se, apesar do desencanto e decepções, uma disposição de luta pela manutenção do espírito renovador de 22. Entre outros veículos, ela trabalha, nesse período, nos jornais cariocas A Manhã, O Jornal, e nos paulistas A Noite e Diário de São Paulo.



Entre junho e dezembro de 1944, ela colabora como contista na revista Detetive, dirigida por Nelson Rodrigues. Na publicação, de grande popularidade à época, Pagú escrevia contos de suspense sob o pseudônimo de King Shelter. No ano seguinte, lança seu segundo romance, A Famosa Revista, em colaboração com Geraldo Ferraz. Se Parque Industrial fora escrito por uma Pagú militante, crente na iminência da revolução, A Famosa Revista caracteriza-se pela crítica e denúncia dos males do Partido Comunista. Nesse sentido, pode-se dizer que o segundo livro é o oposto do primeiro.

A década de 50 se inicia com uma nova incursão de Pagú na política. Ela concorre a uma vaga na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo pelo Partido Socialista Brasileiro, mas não é eleita. Como parte da campanha, publica o panfleto Verdade e Liberdade, editado pelo comitê Pró-Candidatura Patrícia Galvão, em que comenta sua passagem pela prisão, a desilusão com o Partido Comunista e o porquê de sua candidatura:



(...) De degrau em degrau desci a escada das degradações, porque o Partido precisava de quem não tivesse um escrúpulo, de quem não tivesse personalidade, de quem não discutisse. De quem apenas ACEITASSE. Reduziram-me ao trapo que partiu um dia para longe, para o Pacífico, para o Japão e para a China, pois o Partido se cansara de fazer de mim gato e sapato. Não podia mais me empregar em nada: estava ‘pintada’ demais. (...) Em 1935, procurei uma revolução que o Partido preparava e não achei revolução nenhuma. Nos pontos, nas esquinas, nenhuma voz, nenhum gesto. Apenas o fiasco. Mais uma vez, o fiasco (...) E todos nós para a cadeia (...) Outros se mataram. Outros foram mortos. Também passei por essa prova. Também tentaram me esganar em muito boas condições. Agora, saio de um túnel. Tenho várias cicatrizes, mas ESTOU VIVA.”





APAIXONADA PELO TEATRO, QUER SER PATRÍCIA DE NOVO


A década de 1950 marca também uma aproximação cada vez maior com o teatro. A partir de 1952 ela passa a freqüentar a Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD), sob direção de Alfredo Mesquita, que lembra que, nessa época, ela já não era mais a chocante e extravagante Pagú, mas uma arredia e calada Patrícia: “conversávamos longamente, amigavelmente, enquanto havia pouca gente à volta. Mal aumentava a roda e Patrícia – como queria que a chamássemos – calava-se arredia, assustadiça, para logo se esgueirar e sumir. Assim era a famosa, a terrível, a assustadora Pagú”.



Pagú passa a ter aulas com Alfredo Mesquita (“aluna ainda, mas não mais subversiva, agressiva, escandalosa como nos tempos da ‘Praça’. Entusiasta, aplicada, séria, divertida...”), Décio de Almeida Prado, Ziembinsky e outros mestres. Leva para Santos a apresentação de “A Descoberta do Novo Mundo”, de Lope de Vega, realizada pela EAD, iniciando uma série de espetáculos da Escola na cidade. A partir desta época Patrícia exerce importante papel na vida cultural de Santos, liderando a campanha para a construção do Teatro Municipal e formando grupos amadores de teatro, além de fundar a Associação dos Jornalistas Profissionais de Santos. Também criou e presidiu a União do Teatro Amador de Santos, por onde passaram, ainda iniciantes, atores como Aracy Balabanian, José Celso Martinez Correa, Sérgio Mamberti e Plínio Marcos.



Na imprensa dedicou-se às páginas culturais, publicando artigos e páginas especiais sobre escritores, poetas e dramaturgos como Ionesco, Brecht, Fernando Pessoa, Dostoiévsky, Rilke e Pirandello. Também foi responsável por traduções pioneiras de escritores então pouco conhecidos no Brasil: Blaise Cendras, Svevo e Arrabal. Deste último encenou, em estréia mundial, a peça ‘Fando e Lis”, com o Grupo Experimental de Teatro Infantil (GETI).



Esclarecendo sua preferência pelo teatro experimental afirmou: “Preferimos a vanguarda, porque visa ela corrigir os vícios e os hábitos de se assistir teatro normal, teatro repetido, teatro que deixa espectador e atores indiferentes. Preferimos aqueles momentos capazes de sacudir o sono do mundo, como lembrava, certa vez, o velho mestre Sigmund Freud. Pois que o mundo dorme.”



O compositor santista Gilberto Mendes, em suas memórias, afirma que “Pagú tinha um humor, uma perspicácia e finura intelectual especiais. E gostava das pessoas, de ajudar (...) Nesses mais ou menos dez últimos anos de sua vida em Santos, Pagú andava esquecida, quase ninguém falava dela no Brasil, era uma figura anônima pelas ruas da cidade, pelas platéias dos teatros, integrada na vidinha artística da província, animando a gente, escrevendo sobre nós, músicos, atores, diretores (...) Era uma mulher formidável”. Seu prolífico trabalho de crítica nos jornais - polemizando, comprando brigas, combatendo - e seu intenso trabalho com o teatro só são interrompidos com sua morte, provocada por um câncer.



Desejava que seus livros sobre teatro fossem doados para a EAD após sua morte. Alfredo Mesquita recorda-se do pedido da amiga: “lembro-me ainda do dia em que, sabendo-se gravemente doente, disse-me pretender entregar imediatamente a sua biblioteca à Escola. Assustado, não querendo por nada acreditar no que dizia a respeito da saúde, recusei a oferta.” Mas a doença evoluiu e Mesquita foi obrigado a acatar o pedido: “vi-a ainda duas vezes, em casa de parentes, sentada na cama, o tronco ereto, fumando, fumando sempre, os olhos muito pretos, ainda vivos, fixos em mim com aquela expressão de angústia e interrogação dos que vão morrer. Já não podia levantar-se e mal conseguia falar. Das duas vezes, repetiu baixinho: - não se esqueça dos livros, são seus...”.



Em setembro de 1962 viaja a Paris para ser operada. Na véspera, um último texto seu é publicado em A Tribuna - o poema “Nothing”:



“Nada, nada, nada

Nada mais do que nada

(...) Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas

Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava

Um cão rosnava na minha estrada

(...) Abri meu abraço aos amigos de sempre

Poetas compareceram

Alguns escritores

Gente de teatro
Birutas no aeroporto

E nada”



A operação fracassa e ela tenta o suicídio. Volta ao Brasil e em 12 de dezembro de 1962 morre em Santos.



“Deu-se esta semana uma baixa nas fileiras de um agrupamento de raros combatentes. Ausência desde 12 de dezembro de 1962, que pede seu registro do companheiro humilde, que assina estas linhas. Patrícia Galvão morreu neste dia de primavera, nessa quarta-feira, às 16 horas (...) Morreu aqui em Santos, a cidade que mais amava, na casa dos seus, entre a Irmã e a Mãe que a acompanhavam, naquele momento e, felizmente, em poucos minutos, apenas sufocada pelo colapso que a impedia de respirar, pela última palavra que pedia ainda liberdade, ‘desabotoa-me esta gola’”. (Geraldo Ferraz, A Tribuna, 16/12/1962)




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Saturday, May 21, 2011

PROFESSORA AMANDA GURGEL

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