Tuesday, December 28, 2010

Tempo

Em vez de passar o tempo, é preciso convidá-lo para entrar.

                                               Walter Benjamim

Tuesday, December 14, 2010

O BEIJÓDROMO

Uma década e meia depois, a UnB inaugura o "beijódromo" imaginado por Darcy Ribeiro. Por Cynara Menezes

Uma década e meia depois, a UnB inaugura o “beijódromo” imaginado por Darcy Ribeiro



Nuvens claras cobriam o céu de Brasília na quarta-feira 8. Fazia calor, mas, graças às paredes laterais móveis, uma brisa fresca circulava pelo auditório. Do lado de fora, nos bancos ao redor do espelho-d’água que circunda o prédio, a temperatura estava parti-cularmente agradável por causa dos chafarizes instalados no fosso, cujos borrifos são aproveitados para refrescar o interior do Memorial Darcy Ribeiro. Enfim, tudo parecia conspirar a favor de uma tarde propícia para beijos à farta, mas não se viam muitos pombinhos arrulhando por ali.



O beijódromo sonhado pelo antropólogo e ex-senador Darcy Ribeiro em 1996, um ano antes de sua morte, foi finalmente inaugurado por Lula na segunda-feira 6. Acompanhado do colega uruguaio José Mujica, amigo de Darcy, e do ministro da Cultura, Juca Ferreira, o presidente enfrentou o protesto de um grupo de estudantes contra o reitor da universidade, para quem o memorial não era tão urgente quanto outras obras.







Apressada em uma semana para tornar possível a vinda de Mujica, que transmitiu o desejo de estar presente à cerimônia, a obra podia até não ser urgente, mas repara uma dívida antiga da UnB com Darcy, seu criador, ao lado do educador Anísio Teixeira. O antropólogo idealizara uma universidade-modelo e trouxera para a capital do País, em 1961, mais de 200 educadores, cujo talento pretendia utilizar para, em -suas palavras, “plantar a sabedoria humana”. Veio o golpe militar e a universidade teve seu destino desvirtuado, mas o acadêmico, que partiu para o exílio, nunca deixaria de considerar a UnB como sua “filha”.



No memorial, há uma exposição permanente sobre a obra e a vida de Darcy, com objetos indígenas e de uso pessoal, folhetos de sua carreira política, fotos e documentos, como uma carta que escreveu ao economista Celso Furtado em 1969. Exilado na Venezuela, Darcy se encontrava em apuros com a Universidade de Caracas, também invadida por militares, e enviava a Furtado seu currículo, em busca de emprego. Ao lado da exposição, no primeiro andar, a biblioteca tem cerca de 30 mil volumes, do acervo dele e de sua primeira mulher, a também antropóloga Berta G. Ribeiro.



Mas o xodó do complexo é mesmo o beijódromo propriamente dito: o auditório do memorial, onde acontecerão shows- e palestras a partir de fevereiro. Na ideia que Darcy, já enfraquecido pelo câncer, transmitiu ao arquiteto João Filgueiras, o Lelé, um dos talentos que ele trouxe para a universidade na época de sua criação, “trata-se de um amplo palco ao ar livre para serestas e leitura de teatro e poe-sia, defronte de uma arquibancada para 200 olharem a lua cheia e se acariciarem. Eu, lá de longe, estarei vendo, feliz”.



A única mudança no projeto feita por Lelé agora foi a colocação de uma cobertura no beijódromo, para proteção dos equipamentos. O arquiteto concebeu um espaço que “lembra um pouco um disco voador ou uma mistura da maloca dos xavantes com a dos kamayanás”, que Darcy tanto admirava. Como os demais projetos de Lelé, a exemplo dos hospitais da rede Sarah, o memorial possui muita luz natural e outras características que o fazem ecologicamente correto. Não há ar condicionado: um exaustor situado no topo da “maloca” puxa o ar quente para cima, ao mesmo tempo que o prédio é todo resfriado pelo aproveitamento da água borrifada pelos chafarizes.







No espelho-d’água, abastecido pela chuva, menos nos meses de seca, foram colocados 10 mil peixes “barrigudinhos”, comedores de larvas de mosquitos. “Usamos esses peixinhos no Hospital Sarah do Rio e deu supercerto contra o mosquito da dengue”, conta a filha do arquiteto e sua parceira na obra, Adriana Filgueiras. Todos os móveis do memorial, assim como o elevador panorâmico, foram desenhados por Lelé e fabricados ali mesmo. No centro do prédio, há um jardim com plantas de flores vermelhas, para combinar com as finalidades românticas imaginadas por Darcy. Ele costumava dizer que criou o Sambódromo, no Rio, sem saber sambar, mas que queria um “beijódromo” na sede da fundação porque, gabava-se, beijar era o seu forte. “Eu gosto é de beijar e namorar”, afirmava.



Segundo a diretora do memorial, Laura Murta, embora o beijódromo seja só o auditório, todos os espaços do lugar são beijáveis. “A ideia é que o prédio seja efetivamente e afetivamente utilizado.” Nenhum tipo de beijo, promete, será proibido. “O memorial tem de ser a síntese da universidade tal como foi imaginada por Darcy: ninguém podia ser premiado ou punido por suas ideias e atos”, confirmou o presidente da Fundação Darcy Ribeiro, Paulo Ribeiro, sobrinho do antropólogo.







Ou seja, está liberado o beijo entre meninos e meninas, e também vale homem com homem e mulher com mulher. Aliás,- só para confirmar, o ósculo de inauguração do beijódromo foi dado por Paulo em ninguém menos que o presidente Lula. “Na testa”, ele esclarece. Tanta modernidade agradou ao casal de “ficantes” Rodrigo Oliveira, 21 anos, estudante de Relações Internacionais, e Kaio Maia, 22, de Letras. “O lado simbólico do beijódromo é muito importante. Num momento em que os gays estão ouvindo tanto ‘aqui não é lugar para isso’, aparece um local feito justamente para isso”, opinou Rodrigo – que ficou tímido e evitou dar um beijo em Kaio.



O que traz à cabeça a pergunta: será que um lugar feito para beijar não inibe os beijoqueiros? Como se o beijo, em lugar de desfrute, se transformasse em obrigação? O estudante de doutorado em Direito Humberto Góes, 32 anos, desenvolve sua tese: “Acho que não. Ao contrário, o local é em tudo propício ao beijo e às manifestações amorosas. Observe que as cadeiras não têm braços. Sinal de que as pessoas, até por não terem onde se apoiar, vão preferir ficar abraçadinhas”. Cada beijo, beijinho e beijoca no local terá um patrono: Darcy Ribeiro

O PRAZER DEIXA MUITO A DESEJAR

CONTEÚDO LIVRE










ARNALDO JABOR - O prazer deixa muito a desejar

Amigos me perguntam: você fez "A Suprema Felicidade", mas, o que é o prazer para você? Penso, penso e respondo: "Sei lá...".



Mas, como insistem, vamos tentar.



O prazer pode nos dar culpa e a culpa pode dar prazer. Os masoquistas sabem disso: todo prazer será castigado. Por isso, muitos preferem o doce sentimento de culpa, porque, se somos castigados antes, podemos ruminar sem medo o nosso vazio.



O prazer deixa muito a desejar, o prazer nos deixa insatisfeitos porque acaba logo. O problema do prazer é que ele sempre demanda mais prazer, orgias mais perversas, drogas mais alucinantes. O prazer não quer ter fim. "Ah... e a felicidade?" - perguntam-me. (Se bobear, viro conselheiro sentimental...). Bem, a felicidade seria um prazer mais duradouro, comedido. Mas a felicidade está fora de moda em tempos tão velozes.



A felicidade é analógica e o prazer digital. A felicidade ficou chata, tem de ser administrada, dosada e é feita também de dores, sofrimentos e dúvidas. O prazer não; pega, mata e come. Todos fingem ter prazer - é mais comercial. As caras das revistas ostentam uma gargalhada eterna. Prazer é voraz; quer botar o mundo para dentro, sugar, comer o mundo como um pudim, pela boca, por todos os buracos. Prazer é "cool". Felicidade é careta.



Mas, vamos nos deter no capítulo do orgasmo, este retumbante final de sinfonias. O problema do orgasmo é a memória e a esperança. É bem fácil se lembrar de um grande gozo no passado (mesmo ilusório) ou imaginar um grande uivo no futuro que ainda não chegou. Já o orgasmo no presente é assaltado por muitos estorvos: uma sirene de polícia, o medo de falhar, a campainha do vizinho.



Há-os de vários tipos: o básico, o decepcionante e o apoteótico. De cinco estrelinhas a pontinho preto.



O apoteótico é raríssimo, é uma utopia que desqualifica os básicos tremores. Conheço um sujeito que na hora H pensou num gol de placa do Ronaldinho e quase subiu aos céus (apoteose). Um outro, que tinha ejaculação precoce, gozou ao apertar o botão do elevador da casa da mulher que tanto ambicionava. Fora isso, temos o básico, o arroz com feijão: "Pronto, meu bem, agora vamos jantar".



Mas, você só pensa em sexo, dirão vocês. É... fazer o que, se o sexo está tomando o lugar de todos os outros desejos? A verdade é que o prazer anda de cabeça baixa, deprimido, apesar do eufórico exibicionismo em revistas de celebridades. O prazer é obrigatório no mercado. O que nos falta, então? Falta o pecado. Todos podem tudo: "Sim, eu gosto de atacar nos mictórios das rodoviárias e me orgulho de minha tara!" - diz o perverso sorrindo na TV. A permissividade total esvai a tesão. O prazer precisa da proibição. "Sem lei, não há gozo", diria Lacan se masturbando.



Aliás, o vício solitário é bem seguro. A punheta é metafísica. Ela é onisciente e gira em todas as direções, é um caleidoscópio de mulheres ou de homens. Um dos sintomas desse mundo louco é a masturbação. Não me refiro à mera "coça na miúda", nem no "estrangulamento do pele-vermelha", mas à masturbação na alma de vidas autorreferentes, ao narcisismo de seres perdidos num deserto de possibilidades sem fim. Em meio a tanta liberdade, nunca fomos tão solitários. Tínhamos pecados e proibições perfumando os prazeres, mas hoje ficou tudo referido ao sexo, para substituir frustrações políticas e sociais. A masturbação existe até no grande amor romântico, em que os dois narcisismos se tocam, se beijam, se arranham, mas não se comunicam.



Neste mundo solitário, temos o "hype" da masturbação feminina, com o vibrador, o consolador de viúvas e solteironas. O vibrador tem vida própria, sem o incômodo inconsciente, sem diálogos constrangedores. O vibrador não é um pedaço - está inteiro; o homem, o "outro", é que foi amputado dali. O consolador, o vibrador é um amante delicado sempre pronto a satisfazer sua dama. E ela pode imaginar o homem perfeito ali, entre suas mãos.



Os homens também gostariam de ter sua autonomia: serem livres e soltos como um pênis voador, comendo todo mundo com movimentos giratórios e beleza aerodinâmica.



O mercado e a tecnociência provocam mutações em nós. Não queremos amar, queremos consumir alguém. Queremos ter o ritmo das coisas e, na progressiva digitalização do sexo, os corpos tendem a ser o campo de provas da eficiência dos mecanismos de prazer.



Queremos o prazer das máquinas. E, cada vez mais, somos isso. Somos movidos por seus desejos que nos contaminam, somos movidos pela secreta vontade de existir, pois, assim como as bombas desejam explodir, os robôs também querem amar. E já somos suas cobaias inconscientes.



Mas aí, dirá o leitor mais reflexivo, mais estoico, menos epicurista, mas sábio e, talvez, mais velho: "Sim, mas e a contemplação calma da natureza, os lagos dourados, as flores e as crianças correndo, e as auroras, os céus estrelados? E a arte? Isso não é prazer?".



Sim, sim, mas, por trás dessa calma contemplação de auroras e belezas, florestas e oceanos, há um ensaio para o fim, há o preparo para o maior prazer de todos, há a saudade oculta de algo que está além da vida, ou antes dela. Entre flores e lagos dourados contemplamos nosso fim. É uma saudade não sabemos de quê...



É um prazer além do prazer (Freud), é o prazer da matéria. A matéria quer paz. Nós somos um transtorno para a matéria que quer voltar a seu silêncio. A vida e o prazer enchem o saco da matéria que é obrigada a nos suportar. A matéria olha nossos arroubos de vida e espera pacientemente que acabe a valentia para voltarmos ao prado, à grama, à terra, ao sossego da tumba.



Mais além do princípio do prazer, está a invencível vontade de morrer. A matéria sonha com a paz. Somos sonhados pela matéria da qual somos apenas um tremor, um despautério, uma agitação banal. A matéria nos sonha com tanta perfeição que pensamos que temos espírito.



O prazer da matéria é paciente. Nós não sabemos ainda, mas nosso grande prazer será sentido quando não estivermos presentes.